O
casamento
Hirtis Lazarin
Estamos em Pereiras, interior paulista, na rua dos Cocais. Plana, larga, comprida a perder de
vista. A calçada é toda arborizada: ipê
amarelo, ipê roxo, flamboyant. Dá gosto
de se ver. Bando de pássaros cheios de
graça fizeram nelas sua morada de
graça. !
É uma beleza colorida e perfumada.
Foi bem ali, à sombra das árvores, protegidos pelas ramas dos galhos
mais baixos, que Cristina e Salvador trocaram os primeiros olhares marotos e
maliciosos, o primeiro abraço apertado, sensual, o primeiro beijo de
língua. Foi ali que experimentaram o
fogo da paixão, aquele que domina a razão, atrai o masculino ao feminino e nos
faz perder a cabeça.
O tão esperado momento chegara. Término da faculdade, melhores
oportunidades de emprego, economias suficientes, realização do sonho: o
casamento.
Não foi o encontro de duas almas gêmeas, nem de duas partes que se
completam. Cristina e Salvador
conheceram-se por inteiro, conscientes das diferenças e do momento certo pra
ceder.
O relógio da Matriz marcava oito badaladas quando, ao mesmo tempo, em
que as portas de ferro da capela de Santo Antônio foram abertas e rangeram. A
igrejinha colonial, feita de barrote e taipas, estava repleta de gente e de
flores.
Cristina era a princesa saída do
castelo de um conto de fadas. O vestido
de renda francesa deixava-lhe os ombros desnudos e moldando sua silhueta,
realçando-lhe as formas perfeitas. Os
cabelos pretos presos ao alto da cabeça
e envolto por arranjo de cristais misturados com pérolas presenteava-nos
um rosto angelical e, mais que tudo, muito...muito...feliz.
Seu pai, com orgulho e leveza,
conduzia Cristina pelo tapete vermelho, coberto de pétalas também vermelhas.
Aos pés do altar, beijou-a
carinhosamente e confiante entregou a sua cria ao noivo, convicto de que ela
fizera a escolha certa.
A cerimônia foi simples e
singela. Celebração do amor e da
esperança. O amor que criou raízes e a
esperança nos frutos que virão.
Lá pelas tantas da madrugada, o
casal despede-se dos convidados e um jatinho transporta-os até São Paulo. Passariam o domingo num hotel e à noite,
seguiriam pra Paris.
Eram 21:30 horário de Brasília, quando
o Boing da Air France decolou do aeroporto de Cumbica em Guarulhos.
O tempo estava incerto, mas nada
que pudesse comprometer o voo.
Cristina e Salvador já bem
acomodados analisavam o mapa da cidade de Paris e o roteiro dos passeios
programados.
De um momento pra outro, nuvens
escuras e pesadas foram se agrupando, relâmpagos aos montes iluminavam o céu,
trovões perigosos detonavam como se bombas fossem, o vento que começou
comportado, agora rugia como animal selvagem ferido. A turbulência acordou os que dormiam, o medo
virou pânico que virou gritos de horror e pedidos de proteção a Deus Nosso
Senhor.
Uma das aeromoças veio ao
microfone acalmar os passageiros de que essas alterações climáticas eram
corriqueiras na aviação e que estávamos nas mãos da melhor tripulação da
Companhia.
Um estampido ensurdecedor
interrompeu sua fala. Os motores silenciaram.
A aeronave desequilibrou- no ar.
E iniciou uma descida vertiginosa em queda livre. Jamais cruzou o Atlântico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário