Pode
acreditar
Hirtis Lazarin
Três meses após a
publicação de minha aposentadoria, já estava eu instalada numa pousada bem
simplesinha, mas confortável em Natal.
Estava anoitecendo. Deitada na rede de tecido xadrez, instalada
no alpendre de tijolos à vista e samambaias penduradas no teto, a minha frente
o azul do mar juntava-se ao azul do céu.
Uma nuvem dourada já encobria parte do sol que teimava em não abandonar
o cenário. Meus cabelos revoltos pela
brisa marítima encobriam-me os olhos dificultando a leitura do jornal, sem
contar que algumas páginas já voavam esfregando-se na areia em direção ao
mar.
Durante os cinco meses em
que fui hóspede ali, tornei-me conhecida e fiz
amizade com moradores incríveis. Ouvi
histórias de vida e semeei conselhos.
Zebelê era a mais pura
simpatia. Vendia bijuterias que ele
mesmo fazia. Os cabelos eram
encarapinhados e o dorso sempre nu brilhava no sol escaldante. Quando abria aquele sorriso largo e franco, a
coisa mais bonita de se ver eram duas fileiras de dentes tão brancos e perfeitos tal qual marfim.
Eufra e Nequinho vendiam
sorvete e refri. Trabalhavam brincando
de construir versos cantados, envolvendo características da freguesia.
Weber e Liz era um casal
suíço que se apaixonou pelo Brasil.
Venderam tudo por lá e montaram um restaurante charmoso a beira mar que
servia peixes e frutos do mar. Com eles,
treinei meu inglês.
Dona Madá, uma simpatia,
sempre vestida de branco, administrava um quiosque que vendia a melhor água-de-coco. Ficamos amigas e confidentes. Seu esposo, aposentado por invalidez, cuidava
dos três filhos. E, pra completar, havia
poucas semanas, chegara lá do Pará a sobrinha Tainá, órfã de catorze anos. A menina era arisca e desconfiada. Fora criada livre como um animalzinho solto
na mata. E estava causando problemas.
Depois de muita conversa e
muito blá...blá...blá...convenci Dona Madá e entramos num acordo. Eu trouxe Tainá para São Paulo com a intenção
de estudá-la e fazer dela minha companheira. E assim foi feito.
São Paulo assustava-a, e
ao mesmo tempo deslumbrava-a. O que já
era de se esperar.
Comprei um pouco de tudo
que ela precisava e me empenhei em prepará-la pra que continuasse os
estudos. Logo percebi que era inteligente, aprendia tudo bem
depressa. E não é que a danadinha se
saía muito bem em Matemática?
Através das redes sociais,
Dona Madá estava sempre por dentro das coisas que aconteciam por aqui.
Tudo ia de vento em
popa. A menina deu certo. Estudava de manhã e à tardinha ficava à
disposição de tio Oscar, viúvo e meu vizinho de porta. Era uma verdadeira dama de companhia. Os dois faziam caminhada ao redor do
quarteirão, compravam revistas na banca do Seu Toninho e, nos dias mais frios
não dispensavam aquele chocolate quentinho e espumante na padaria do seu
Manoel. E, toda sexta-feira, lá iam os
dois à casa lotérica. Desde que eu
conheço o tio Oscar, ele joga semanalmente na mesma sequência de números. Insistia sempre para Tainá fazer uma
"fezinha". Ela não gostava. Mas,
às vezes, quando o prêmio se acumulava, aceitava só pra não vê-lo contrariado.
Naquela segunda-feira, os dois
perceberam um aglomerado de pessoas em frente à lotérica. O ganhador da mega sena fizera o jogo ali.
Duas semanas se passaram e o ganhador
não tinha ainda aparecido na Caixa Econômica.
Como sempre, Tainá nem conferira
o resultado. Por acaso encontrou o
cartão dentro do bolso do casaco de frio.
Acredite se quiser. Tainá fora a
sortuda da vez. Ganhara o prêmio
sozinha.
Você, caro leitor,
preste atenção
Nas ordens que vou lhe dar
Acelere as asas da sua
imaginação
e esta história,
cabe a você continuar.
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