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domingo, 7 de setembro de 2014

Pode acreditar - Hirtis Lazarin



Pode acreditar
Hirtis Lazarin

Três meses após a publicação de minha aposentadoria, já estava eu instalada numa pousada bem simplesinha, mas confortável em Natal.

Estava anoitecendo.  Deitada na rede de tecido xadrez, instalada no alpendre de tijolos à vista e samambaias penduradas no teto, a minha frente o azul do mar juntava-se ao azul do céu.  Uma nuvem dourada já encobria parte do sol que teimava em não abandonar o cenário.  Meus cabelos revoltos pela brisa marítima encobriam-me os olhos dificultando a leitura do jornal, sem contar que algumas páginas já voavam esfregando-se na areia em direção ao mar. 

Durante os cinco meses em que fui hóspede ali, tornei-me conhecida e fiz amizade com moradores incríveis.  Ouvi histórias de vida  e semeei conselhos.

Zebelê era a mais pura simpatia.  Vendia bijuterias que ele mesmo fazia.  Os cabelos eram encarapinhados e o dorso sempre nu brilhava no sol escaldante.  Quando abria aquele sorriso largo e franco, a coisa mais bonita de se ver eram duas fileiras de dentes tão  brancos e perfeitos tal qual marfim.

Eufra e Nequinho vendiam sorvete e refri.  Trabalhavam brincando de construir versos cantados, envolvendo características da freguesia.

Weber e Liz era um casal suíço que se apaixonou pelo Brasil.  Venderam tudo por lá e montaram um restaurante charmoso a beira mar que servia peixes e frutos do mar.  Com eles, treinei meu inglês.

Dona Madá, uma simpatia, sempre vestida de branco, administrava um quiosque que vendia a melhor água-de-coco.  Ficamos amigas e confidentes.  Seu esposo, aposentado por invalidez, cuidava dos três filhos.  E, pra completar, havia poucas semanas, chegara lá do Pará a sobrinha Tainá, órfã de catorze anos.  A menina era arisca e desconfiada.  Fora criada livre como um animalzinho solto na mata.  E estava causando problemas.

Depois de muita conversa e muito blá...blá...blá...convenci Dona Madá e entramos num acordo.  Eu trouxe Tainá para São Paulo com a intenção de   estudá-la e fazer dela minha companheira.   E assim foi feito.

São Paulo assustava-a, e ao mesmo tempo deslumbrava-a.  O que já era de se esperar.

Comprei um pouco de tudo que ela precisava e me empenhei em prepará-la pra que continuasse os estudos.  Logo percebi que  era inteligente, aprendia tudo bem depressa.  E não é que a danadinha se saía muito bem em Matemática?

Através das redes sociais, Dona Madá estava sempre por dentro das coisas que aconteciam por aqui.

Tudo ia de vento em popa.  A menina deu certo.  Estudava de manhã e à tardinha ficava à disposição de tio Oscar, viúvo e meu vizinho de porta.  Era uma verdadeira dama de companhia.  Os dois faziam caminhada ao redor do quarteirão, compravam revistas na banca do Seu Toninho e, nos dias mais frios não dispensavam aquele chocolate quentinho e espumante na padaria do seu Manoel.  E, toda sexta-feira, lá iam os dois à casa lotérica.  Desde que eu conheço o tio Oscar, ele joga semanalmente na mesma sequência de números.  Insistia sempre para Tainá fazer uma "fezinha".  Ela não gostava. Mas, às vezes, quando o prêmio se acumulava, aceitava só pra não vê-lo contrariado.

Naquela segunda-feira, os dois perceberam um aglomerado de pessoas em frente à lotérica.  O ganhador da mega sena fizera o jogo ali. Duas semanas se passaram e o  ganhador não tinha ainda aparecido na Caixa Econômica.  Como sempre,  Tainá nem conferira o resultado.  Por acaso encontrou o cartão dentro do bolso do casaco de frio.  Acredite se quiser.  Tainá fora a sortuda da vez.  Ganhara o prêmio sozinha.

                                  Você, caro leitor, preste atenção
                                   Nas ordens que vou lhe dar
                                   Acelere as asas da sua imaginação

                                   e esta história, cabe a você continuar.

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