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sexta-feira, 19 de julho de 2013

Bons amigos - Carmen Lúcia Raso



Gregório, homem  elegante como sempre fora, mantem aos seus 70 anos a energia e  cordas vocais em alto e bom tom.

Com sua voz de barítono,  ecoa por onde passa sons de uma boa ópera, trechos decorados pela prática nos palcos do mundo.

Pela manhã costuma fazer sua caminhada abrindo a porta de sua casa e a do seu coração. Canta em casa, canta nos corredores, no elevador e nas ruas da cidade.

Naquela manhã dona Julieta senhora da mesma idade resolveu implicar com o alto som que vinha do apartamento vizinho. Havia mudado há pouco, veio  de uma grande casa não estava acostumada e nem gostava de ouvir sons altos, isto a perturbava.

Resolveu enfrentar o dono daquela cantoria. Saiu na mesma hora em que ele abriu   sua porta  e se encontraram no hall, e logo foi dizendo:

— Senhor, não estou acostumada com sons altos. Há uma semana moro aqui e não aguento mais ouvir sua voz. O senhor me perturba.

O homem gentil olhou para ela e respondeu com a maior calma:

— Muito prazer, meu nome é Gregório e terei enorme prazer em lhe oferecer uma xícara de chá com algumas bolachinhas que trouxe da Europa.

A mulher o mediu de cima a baixo examinando  sua atitude e respondeu-lhe que tudo bem, aceitaria,  e ainda pensou “Assim ao menos ele para de cantar”.

 Ao entrar Julieta notou o bom gosto e a qualidade dos móveis que decoravam aquele lugar, com  as telas caras nas paredes e objetos do mundo todo enfeitando os lindos móveis antigos. Enquanto esperava o anfitrião trazer o prometido chá, encantou-se com a imensa biblioteca e a discoteca na sala ao lado. Cogitou se não estaria sendo egoísta em julgar mal um homem aparentemente tão fino.

Gregório voltou com uma bandeja recheada de biscoitos e 2 xícaras para tomaram um  chá inglês. Ele lhe contou que fora cantor erudito desde muito jovem e que viajara pelo mundo cantando com orquestras sinfônicas famosas, mas havia uns 5 anos resolvera se aposentar, somente ensinando jovens artistas, não viajando tanto a trabalho e continuava exercitando sua voz e harmonia.

Julieta envergonhada pediu desculpas e confessou que quando jovem por proibição de seu pai não seguiu carreira lírica,  pois não ficava bem uma jovem de família tradicional ser artista e muito menos viajar pelo mundo. Talvez por este motivo tenha implicado com este homem tão gentil – pensou.

Gregório então mostrou-lhe vários DVDs com músicas, filmes e livros para que ela conhecesse seu trabalho. Depois de algum tempo ele pediu licença para que fosse fazer sua caminhada habitual,  pois já estava ficando tarde para isso,  e a convidou  para que o acompanhasse, ela aceitou e a partir daquele dia entendeu que deveria respeitar e entender as diferenças entre as pessoas.


Percebeu ainda que a antipatia não leva a nada e que não fora por acaso que estava morando naquele lugar. Ganhara um grande amigo, sua simpatia e ainda podia ouvir, ler e assistir a filmes na companhia de uma pessoa tão simples e tão culta.

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