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segunda-feira, 1 de julho de 2013

UMA LONGA ESPERA! - Dinah Ribeiro de Amorim



UMA LONGA ESPERA!
 Dinah Ribeiro de Amorim


  Ana rola na cama, olha o relógio. Sete horas. É cedo ainda.

  Levanta-se como de costume, verifica o calendário como se fosse um vício, hábito antigo, de longos anos.

  Hoje é dia quinze de outubro. O dia da partida. A única coisa que conseguia lembrar.

  Dirige-se calmamente ao banheiro, lava-se lentamente, escova os longos cabelos embranquecidos pelo tempo. Antigamente, usava-os curtos e negros, com um brilho azulado que ele tanto gostara.

  Enrola-os rapidamente num coque como se quisesse afastar lembranças.

  Volta ao quarto, veste-se mecanicamente, coloca um xale sobre seus ombros magros e troca os chinelos de flanela por um par de sapatos grossos e feios.

  Desce as escadas, abre o portão da rua e sai recebendo no rosto o ar frio da manhã.

  Cumpre esse mesmo ritual há vinte anos. Todo dia quinze de outubro, como prometera.

  É tempo demais. Até para ela que sempre fora fiel, sonhadora, romântica.

  O café, tomaria no bar da estação, antes da chegada do trem das 8,00h.

  Estranha sensação a invade, enquanto caminha. Um vazio incrível. Um desânimo, uma ausência de tudo, como se nada mais importasse. Envelhecera. Foram longos anos de espera.

  Todo dia quinze de outubro, naquela mesma hora, à espera do mesmo trem que traria talvez o homem que nunca veio. Prometera voltar vinte anos atrás em melhor situação e fizera-a jurar que o esperaria. Que não o esqueceria, nem se casaria com mais ninguém.

  Ela era e seria sempre dele. Iria embora a trabalho e, logo que tivesse condições, voltaria para buscá-la.

  Esperara como prometera. Só não pensou que o tempo a fizesse mudar tanto. Seus olhos eram tristes e sem esperança. Sua boca já não sorria mais. Seus passos, curtos e rápidos, tornaram-se vagarosos, sem pressa de chegar. Seus sentimentos também mudaram. Cansara-se de sonhar. 

Desperdiçar uma vida inteira desejando alguém que nunca teve. Vivera uma ilusão. Nunca acontecera o que realmente esperou e, embora ainda cumpra uma promessa que levara a sério, não sente mais nada. Se ele voltasse agora, tanto tempo depois,  não saberia o que fazer.

  Seus desejos não eram os mesmos. Tantas coisas haviam mudado... Talvez nem o reconhecesse.

  Chega à estação e olha em volta: os mesmos bancos velhos e gastos, o mesmo bilheteiro de tantos anos, muito mais gordo e cansado; suas mãos já tremem quando destaca os bilhetes.

  Uma mulher, de lenço vermelho na cabeça e vassoura na mão, varre desajeitadamente os papéis do chão.

  Procura um lugar e senta-se. Já ouve, ao longe, o apito do trem. Seu coração não se altera. Não bate rápido como em outros tempos. Parece que já sabe que será uma espera inútil.

  Aos poucos, aproxima-se também um homem coxo, meio curvado, roupas de mendigo, que aparece de vez em quando na estação. Espera talvez gorjetas de algum passageiro cheio de bagagens. Ninguém sabe como ele surgiu nem de onde veio e, para Ana,  simplesmente, faz parte também da paisagem.

  O trem para e, como de costume, ela espera até o último passageiro descer. Nenhum estranho. Ninguém a procura. Tudo acontece como sempre.

  Levanta-se como de hábito e dirige-se para casa. Sem dor, sem lágrimas, sem ressentimentos. Traz somente uma decisão no olhar. Não voltaria mais. Crescera finalmente. Não cumpriria uma promessa a alguém que não a merecera.

  Seus passos agora são mais rápidos e enérgicos. Decidira algo finalmente. Passa pelo mendigo que a olha mansamente, como a pedir um auxílio. Abre a bolsa, arranca uns trocados e joga em sua mão. Ele agradece com um sinal e abaixa a cabeça.

  No ano seguinte, pensa Ana, quem se lembrará de lhe dar esmolas? Ela, não mais.
  Afasta-se logo, apertando seu xale com bastante força. Em casa, haveria de certo muita coisa a fazer. O mendigo a olha, ternamente, até seu vulto desaparecer. Beija carinhosamente as moedas e coloca-as num saquinho de pano, junto às outras que recebera dela nos anos anteriores.


  Voltara sim. Há muito tempo. Não tivera o sucesso que pretendera, mas nunca a esquecera. Voltara aleijado e pobre. O orgulho e a vergonha o impediram de se aproximar e contentava-se em vê-la, uma vez por ano, quando sabia que ela viria esperar por ele.

Um comentário:

suzi disse...

Lindo, emocionante e muito bem escrito, Dinah Amorim. Dá um frio no coração lembrar de uma vida tão desperdiçada...
Beijos, Dinah e parabéns
Suzana