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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

ENGANAR-SE A SI MESMO... - Dinah Ribeiro de Amorim


ENGANAR-SE A SI MESMO...
Dinah Ribeiro de Amorim

     O povoado era pequeno, cerca de uns cinco mil habitantes, no centro de Goiás, afastado da capital e dos seus progressos.

  Vida simples, sem tecnologia, grandes comunicações e locomoções.

  Para achar um médico caminha-se de charrete ou lombo de burro até a cidade mais próxima, onde tinha hospital. Para compras ou necessidades maiores, também a mesma caminhada pois só possuíam o estritamente necessário.

  Claro que um barzinho com pequenos goles de cachaça, existia em alguma esquina, onde os homens jogavam conversa fora e as mulheres passavam botando olhares!

  Alguns deles eram freqüentes, não tinham o que fazer após um pequeno trabalho na lavoura ou fazenda de gado local. Enfim, era o ponto da cidadezinha aonde se sabia de tudo!

  Diariamente, ao final da tarde, baixavam homens a conversar no bar.

  Chico Tibúrcio, ajudante e cuidador de cavalos, aparecia para trocar um dedo de prosa, saber alguma novidade, reclamar da vida, desconfiar de tudo e não acreditar em nada. Mal abriam a boca para falar alguma coisa e ele já respondia:

Não acredito! Só vendo com esses olhos que a terra há de comer.

  Quando convidado para alguma churrascada na fazenda ou festa da igreja,  nunca comparecia. Negava-se a se envolver com pessoas estranhas. Nada o animava. Desconfiava de tudo. Só amava seus cavalos.

  Zé Sardinha, também era quem aparecia para prosear e tomar uns goles. Ruivo, pele avermelhada e cheia de sardas, daí o apelido. Vivia com sua família nesse numa chácara nesse povoado há muitos anos. Descendente, não sabia ao certo, de holandeses que estiveram no Brasil na época da colonização. Muito engraçado, fazia piadas e arreliava Chico Tibúrcio o tempo todo: “Um dia deixaria de ser tão amargo e desconfiado”.

  Tem que aproveitá a vida home! O tempo passa e você só trabaia e bebe. Nada mais.

  Sinhô Moreno, um mulato forte, ativo, já mais velho que os outros, bem sorridente, era o contadô de histórias, o novidadeiro da cidade. De tudo sabia um pouco. Anotava e olhava o que acontecia. Alguns gostavam muito quando ele aparecia pois,  naquele lugar pequeno, onde nada acontecia, ninguém falava e contava histórias como ele.  Chico Tibúrcio escutava atentamente, mas no final sempre dizia:

  É mentira! Só acredito vendo. Deixe de histórias, Moreno, você gosta de um bla-bla-blá,  e esses bobos de acreditá.

  Um dia você ainda muda, Chico, estou pagando pra vê! - Respondia Sinhô.
  O povoado não tinha nadinha de transporte, mas havia um projeto antigo,  o qual Chico Tibúrcio não acreditava, de construção de uma estrada de ferro, com trem, estação e tudo.

  Sinhô Moreno apareceu uma tarde no boteco, todo eufórico, entusiasmado mesmo, dizendo que haviam chegado uns homens estranhos no hotel, vindos da capital. Disseram que eram engenheiros para contratar gente para o trabalho na construção da estrada de ferro.

Será? - Disseram todos. O progresso chegando a nossa cidade! É o futuro minha gente!

  Chico Tibúrcio foi o único que voltou-se para a parede e não deu crédito a Moreno.

Essa eu não acredito mesmo! Nem vendo! Aonde arrumá pessoá bom? Entendido do serviço?

  Aborrecido e pessimista, foi juntar-se aos seus cavalos, os únicos amigos em quem confiava.

Com o tempo, o pequeno povoado foi se transformando. Homens novos chegando, material de construção e barulho por toda parte, gente animada, cantarolante, festeira, gente briguenta, beberrona, encrenqueira.

  Havia de tudo. Alguns habitantes comemorando a chegada do trem e outros tristes, estavam desalojados, atrapalhando a construção. Teriam que escolher novo sítio para morar!

  Chico Tibúrcio mesmo assim não acreditava na chegada de um trem àquele lugar. Compadecia-se ou sentia raiva dos conterrâneos que ainda sofriam com isso.
  Eis que a estrada fica pronta! É marcada a inauguração do primeiro trem na estação, levando-os a várias cidades vizinhas e chegando à capital do estado. Muitos são os convidados, Chico Tibúrcio entre eles, avisando logo que não iria. Só acreditaria vendo. Felizmente, não mexeram com o seu sítio nem com seus cavalos, mas o barulho já os incomodava. Andavam agitados.

  O barzinho fechou por falta de gente. Iam todos agora ao bar da estação, verificar o trabalho feito e esperar o tal trem!

  Sem os amigos que, apesar do mau gênio, o agüentavam, o homem ficou mais negativo ainda, reclamando do falso progresso em que todos acreditavam.

  O trem esperado chega, pontualmente, às seis horas, como prometeram.

Levou tempo e trabalho esta estrada, mas valeu a pena! Gente nova, convidados, apareceram , dando apoio aos moradores. Agora sim, poderiam se locomover melhor! Era o progresso chegando...

  Chico Tibúrcio, enfurnado no seu sítio, escutou-o chegar, apitando e soltando fumaça.

Não é que veio mesmo, Sinhô - pensou... Mas que barulho infernal! Seus cavalos queriam fugir, assustados, e na primeira oportunidade, fugiram todos, pouco a pouco. Não suportaram esse som pontual, indo e vindo.

  O homem, de tão teimoso, não se mudou e falam que , até hoje,  corre atrás dos matos à procura de seus cavalos, quando ouve o apito do trem chegar.

  

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