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sábado, 28 de setembro de 2013

VIDA NOVA - Hirtis Lazarin


VIDA NOVA
Hirtis Lazarin

Depois de um dia exageradamente quente, caem lá fora os primeiros pingos de chuva. Um ventinho gostoso balança a cortina de tecido fino, invade a sala e acaricia meu rosto.

Fecho os olhos e o livro que leio.

Uma sensação preguiçosa instala-se em mim. Consome-se o tempo de um jeito prazeroso.

 No silêncio aconchegante, ouço apenas o tilintar da colherinha de prata que se movimenta dentro do copo de suco; bocejo várias vezes e caio em sono profundo.

 Acordo sobressaltada com o toque do telefone.  O bem-estar do momento é maior que a vontade de falar com alguém.

Não é Gustavo, meu companheiro.  Ele viajou pro Rio de Janeiro a serviço da Empresa e já nos falamos diversas vezes naquele dia.    

Ignoro os toques.

 Olho pro relógio grande na parede e os ponteiros marcam duas horas da manhã.  Não pode ser... Ponho os óculos... Enxerguei certo.

 Arrependo-me de não ter atendido ao chamado.  A esta hora, alguém só ligaria em casos emergenciais.

Não desgrudo os olhos do aparelho. Roo as unhas torcendo  pra ele tocar novamente.

Ele toca...Pego o telefone estabanadamente.  Titubeio...  Estou com medo!  Meu "alô" sai engasgado.  Queria e não queria ouvir a voz de quem estava do outro lado da linha.

Uma voz feminina, rouca e sensual profere uma ladainha, um amontoado de palavras, pra mim desconexas.  Só atento ao ouvir o nome de Gustavo.

 Meu coração descompassa, a vista some, sinto uma vertigem.  Desmorono.

O tempo passa. Aos pouquinhos vou retomando os sentidos, vejo-me estatelada no carpete, com o fio do telefone enrolado no meu corpo e os óculos atirados longe, com lentes trincadas.  O baque foi forte.

O turbilhão de palavras que ouvi roda na minha cabeça qual vinil em rotação errada.

Vou me recompondo, as palavras ouvidas vão adquirindo forma, organizam-se em frases conexas e a mensagem se completa.  Bombástica!

Ando pela casa feito barata tonta, sento, balbucio ofensas, grito palavrões.  Abro uma garrafa de vinho, bebo a primeira taça de uma vez só, mais outra e mais outra.

Ligo o computador;  no "Google" encontro o telefone do Copacabana Palace, no Rio.  Ligo na recepção e ouço a confirmação: "o casal Gustavo e Lucimara estão sim hospedados neste hotel".

Viagem de negócios?  E foram tantas durante aquele ano...  Meu Deus, Gustavo sempre se mostrou tão companheiro, carinhoso e apaixonado...Nunca percebi nada diferente.

Minha impulsividade fala alto.  Tenho que tomar uma decisão agora.  Não vou esperar sua volta daqui a sete dias.

Respiro fundo...Tomo o vinho que resta na garrafa.

A decisão vem.  Fico ansiosa e agitada... de felicidade.  Faço minhas malas em segundos, com a mesma euforia de uma adolescente que se desata das amarras dos pais enérgicos e autoritários.

Faço apenas duas ligações e, pouco tempo depois, já estava voando para Nova York.  Lá vive Roberto, o homem que me quer muito.  E eu nunca tivera coragem de deixar Gustavo, o marido bom, compreensivo e que muito me apoiou nos estudos e trabalho.

Na mesa da sala, debaixo do retrato nosso rasgado ao meio, apenas um bilhetinho de "ADEUS".

   

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