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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A tempestade - Andréa Iasz



A TEMPESTADE
Andréa Iasz

Beto, com seus quatorze anos de idade não era o que parecia ser. Ficava se contendo o dia todo “pagando” de garoto bonzinho, mas era só chegar o fim da tarde e as portas da loja se fecharem para se rebelar e transformar o lugar em que vivia , em um espaço de guerra e medo.

Na rua 25 de março a loja 6 era muito visitada, dada a variedade de mercadorias expostas, e pelo bom preço que oferecia. A loja era muito organizada e os artigos, na maioria deles, de boa qualidade.  Beto sabia disso e sentia ciúmes de muitos que viviam ali. No entanto, o que ele menos suportava era quando as pessoas se voltavam para ele referindo-se a uma sombrinha. Sentia-se desvalorizado, pequeno e medíocre.

A verdade era que ao ver-se no espelho, admirava-se. Cabo longo feito de madeira de lei lapidada, polida e bem envernizada. Sua armação era de fibra leve e resistente coberta por uma lona preta bem costurada e impermeável. A mesma usada na fabricação de balões. Possuía uma capa, também preta, que o fazia sentir-se um super-homem. Bem, um super-homem escolhe fazer o bem, e ele se alegrava ao ver as pessoas profundamente estressadas.

Todos os dias o senhor Terui chegava em sua loja bem cedo, fazia a ronda e sempre encontrava um setor desarrumado. Não entendia. Nunca era roubado, mas a pessoa que passava por lá sabia desarrumar tudo.

Sem respostas, intrigado e profundamente irritado mandou instalar câmeras no interior  da loja a fim de descobrir quem era o desordeiro. E para sua surpresa na primeira análise do vídeo assistiu como que uma tempestade de desordem. Quietinho e bem escondido em uma prateleira Beto se levantava ao ouvir o barulho da chave trancando a loja. De semblante transfigurado saía passeando pela loja. Apontava e ameaçava deixando bem claro sua intolerância a qualquer objeto que demonstrasse algum tipo de descontentamento. Observava os rostos das outras mercadorias procurando identificar o mais amedrontado. Ria fazendo caretas de debochado. Algumas iam ao chão só pelo fato de se agitarem com suas tremedeiras. Outras agrupavam-se tentando proteger-se mutuamente. Ninguém ousava dizer nada. Outros desviavam o olhar com medo de serem fitados.

Seu Terui ficou indignado ao ver o tamanho do medo de todos. Beto não chegava nem perto das mercadorias. Elas se desorganizavam sozinhas, para satisfação do rebelde guarda-chuva, que não se divertia só com o agito dos hospedes, mas também ao ver o desgosto do dono da loja e de seus funcionários arrumando tudo no dia seguinte.

O que fazer para dar um basta naquilo? Pensativo Terui buscava uma resposta. Ele amava aquele guarda-chuva que fora feito pelo seu pai antes de morrer. Queria eternizá-lo. Não punha preço e negava vendê-lo, todas as vezes em que alguém tentava comprá-lo. Era guardado ali apenas para atrair os compradores dos outros artigos destinados a frio e chuva.

Dias se passaram sem resposta. Beto conseguira o que mais queria. O desgosto e a tristeza do senhor Terui que tinha nele a obra mais preciosa do grande artesão Shinaga.

Passado alguns dias senhor Terui reúne os funcionário, anuncia férias coletivas de 15 dias e não mais abre as portas  do estabelecimento neste período.  Ninguém entendeu a reação do patrão, nem mesmo Beto que festeja a liberdade devastando a loja em dois dias inteiros. No terceiro dia ele olha para a porta e ninguém aparece para arrumar as coisas. No quarto dia a melancolia começa a se estabelecer em seu coração e no final do décimo já não cabe mais espaço para tanto arrependimento. Sentia-se só, frustrado. Olhar para a loja toda desarrumada era muito triste. Arrumar? Não daria conta sozinho.

Na tentativa de chamar a atenção começa a conversar com os que encontrava pelo caminho, e já não tinham mais medo do novo semblante de Beto. Aos berros e desesperado sai gritando pelo espaço. “O que são férias coletivas? Para onde foram todos? O que vai acontecer agora? Porque ninguém me responde? Socorro, estou com medo!”  Pensando ter sido definitivamente abandonado adormece chorando aos pés da porta. Já era o final do décimo quinto dia.

Um saudoso barulho emitido pela porta acorda Beto que sente alguém apanhá-lo. É o senhor Terui com seu olhar espantado e enraivecido por ver a loja completamente desarrumada. “Bom trabalho sua sombrinha duma figa. É hoje que eu acabo com esta história definitivamente. Vou colocá-lo a venda! O amor que tenho por você não vale todo este desgosto.”


As palavras embargadas emitidas pelo velho companheiro fizeram com que Beto percebesse o quanto estava errado em se divertir com a dor do outro. Jurou para si mesmo que a partir daquele dia jamais repetiria qualquer desagrado que fosse. 

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