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segunda-feira, 15 de abril de 2013

O BILHETE DE LOTERIA - Dinah Ribeiro de Amorim





O BILHETE DE LOTERIA
Dinah Ribeiro de Amorim

  Costumavam freqüentar o “buteco” do Seu Zé, perto da fábrica, para tomar “umas e outras” após o serviço.

  Era mais fácil jogar um pouco de conversa fora, contar algumas piadas, mexer uns com os outros, para chegar em casa e enfrentar as queixas das mulheres e filhos que normalmente vinham.

  Problemas, lamúrias, pouco dinheiro, brigas das crianças na escola, problemas com vizinhos e por aí vai... Só tomando uns goles antes com os colegas, quando riam e conversavam um pouco, trazendo entretenimento, fofocas, novidades locais.

  Nestor, o mais sério deles, vivia fazendo um “joguinho” de loteria, uma “fezinha” como chamava, incentivando os amigos mais chegados: André, Maneco e Claudionor a tentarem a sorte como ele. Acreditava que um dia ganharia. A fortuna lhe sorriria, mudaria de vida, deixando aquele lugar que, no fundo, detestava, embora não conhecesse outro.

  Os colegas davam risadas achando graça na confiança em que depositava num simples pedaço de papel, achando perda de tempo essa esperança tola.

  Numa noite, Nestor acorda assustado, todo suado, falando alto: “Ganhei! Ganhei!”

  A mulher, Corina, toda enrolada nos papelotes e embrulhada nos lençóis até a testa, também acorda espantada e pergunta-lhe se está acontecendo alguma coisa. Eram três horas da madrugada, muito cedo para iniciar o dia.

  As crianças, dois meninos e uma menina, escutam também os gritos do pai e aparecem no quarto, que vira um rebuliço, todos falando ao mesmo tempo.

  Nestor, desapontado, desculpa-se pelo barulho e os manda voltarem para a cama. Antes,  confidencia à mulher que sonhara que havia jogado na borboleta e dera seus números: “Ganhara!”

  No dia seguinte, supersticioso e objetivo como era, vai fazer sua “fezinha” e, claro, nos números da borboleta.

  Passa o dia trabalhando e se esquece do fato, deixando até de comentá-lo com os colegas.

  Quando voltam, param no “buteco” do Seu Zé, como sempre e, lembrando-se do ocorrido, quis conferir seu bilhete e comenta com os amigos que riem novamente dele, mas, o acompanham até a lotérica.

  Que surpresa! Saíra o resultado ao meio-dia e havia um ajuntamento no local. Dera a borboleta e o Nestor havia ganhado!

  Fica tão surpreso! Tão comovido! Tão alegre que abraça seus amigos e dá pulos de contentamento! Não percebe um buraco no chão, cai e bate fortemente a cabeça. Desmaia no chão frio e fica inerte, imóvel como um morto. Os amigos embranquecem de susto; até Claudionor que era mulato, muda de cor. Ficam sem saber o que fazer! A primeira atitude foi de André que chamou uma ambulância do S.U.S.. Levaram-no ao hospital local e, após alguns exames e cuidados de rotina, mandaram chamar Corina e os filhos.

  Nestor havia se ido desta para melhor! Não poderia sonhar nem usufruir do dinheiro ganho!

  Seu enterro só sairia de manhã e durante a noite, os vizinhos e conhecidos compareceram para confortar a família.

  Maneco, numa hora em que tudo estava mais vazio, mandaram a viúva descansar um pouco, lembrou aos companheiros, sorrateiramente: “E o bilhete? Vai junto com ele?”

  Reuniram-se os três amigos que restaram e resolveram procurar o bilhete! Mexeram delicadamente nos bolsos do finado, reviraram levemente seu corpo, afinal, respeitavam o amigo, ainda mais defunto: “Que Deus o levasse em paz!”
  “Achei!” fala alto Maneco.

  “Fala baixo!” responde André, “Cuidado com os outros!”, avisa Claudionor. “Somos os únicos que lembramos disso”!

  Quando Maneco levanta o bilhete e mostra aos outros, Nestor se mexe no caixão, olha para eles, levanta a cabeça e diz: “Gente, esse bilhete é meu!” “Tirem-me já daqui!” “Não morri ainda não!”

  Os amigos, de olhos arregalados saindo das órbitas, mãos e pés trêmulos de medo, devolvem imediatamente o bilhete, tiram-no de lá e avisam a todos que o Nestor havia renascido. Uma borboleta muito grande e vermelha havia entrado e pousado em cima dele, acordando-o de repente.

  Êta homem de sorte, mesmo! Ganha na loteria, morre de emoção, bate a cabeça e é salvo por uma danada de borboleta que lhe aparecera em sonho!

  Histórias fantásticas que o povo conta e a maioria acredita!


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