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sábado, 9 de março de 2013

Sem o sol, a lua nada vale - Suzana da Cunha Lima




Sem o sol, a lua nada vale
 Suzana da Cunha Lima

Um dia cheguei em casa e encontrei um caos.  Havia um buraco na parede do meu quarto, e minha cama estava riscada.  Tive umatremedeira, não sabia quem fizera aquilo tudo e porquê. Não levaram nada o que aumentou meu temor: fora Vingança? Ódio? Algumaarmação? Eu estava em desvantagem, porque o autor daquilo conhecia onde eu morava e eu não tinha a menor idéia de quem pudesse ser. E por que só no quarto? Que recado queriam me dar?  Eu tinha me mudado recentemente, estava tudo novo e bonito e agora, aquilo!

Tinham deixado um papel  em formato de lua com uma única palavra:Traição.
 Em cima, talvez para o papel não voar, um copo quase cheio.  Lembro que não toquei em nada e  apavorada, pensei que naquela altura, a únicasaída era chamar a policia.

 Os detetives chegaram em casa, examinaram tudo, tentaram achar impressões digitais e me fizeram uma série de perguntas:

.- Não telefonaram? Não pediram dinheiro?

- Não, nada, isso foi ontem à noite e até agora nada.

- Bom, o bilhete diz: Traição. Há alguém que tenha raiva de você,  você tem algum inimigo? A senhora revelou algum segredo que não podia revelar? Desculpe, mas a senhora traiu alguma amiga, andou com o marido de alguém?
- Não, de jeito nenhum. Sou uma pessoa ética, tenho boas amigas. Estou há muito tempo no mesmo emprego e no mesmo apartamento.

- E no seu trabalho? Houve algum incidente desagradável?

- Bom, eu trabalho em Recursos Humanos, no setor de demissões. É muito difícil lidar com as pessoas. Sabem, ninguém se conforma em ser demitido, sempre aparece alguém com raiva e pensam que eu sou a responsável pela dispensa. – pensei um pouco – mas eu sempre soube contornar estes problemas.  

Ao terminar o serviço, os policiais levaram o copo com todo cuidado para examinarem que beberagem ele continha e se havia chance de ter impressões digitais.  Aconselharam-me a trocar as fechaduras e trancar muito bem as janelas, porque meu apartamento era térreo. E avisar ao porteiro, que lhes pareceu meio distraído,  que não deixasse ninguém entrar sem minha ordem. E ainda sugeriram que, no trabalho,  eu pedisse transferência para outro setor menos espinhoso.

Achei melhor passar um tempinho na casa de uma amiga, noutro bairro.  Na partida, tranquei tudo e fui para lá. Mas no trabalho não houve jeito de mudar de setor.

Alguns dias se passaram, eu sentia uma friagem no corpo, como se fosse ficar doente.  Certamente era o clima de suspense, pela situação que eu havia passado e que não tivera nenhuma explicação até agora. A polícia ainda estava em investigação.

Eu já estava com vontade de voltar para casa, quando li no jornal que haviam achado um corpo enterrado no rio. E havia no seu bolso, um pedaço de papel em formato de lua onde estava escrito: traição. Igualzinho ao papel que me deixaram.

Morri de susto, fui a polícia sem saber o que fazer. Eles disseram que achavam que era o modus operandi de um bandido perigoso, de alcunhaMagro, que tinha saído da prisão na condicional, há quase um mês. Um absurdo, porque o cara era perigoso, autor de muitas mortes macabras. O negócio é que não haviam achado o revólver que ele usava, só sabiam o calibre da bala.
Aí, o delegado me chamou na sua sala e disse:

- Olhe, a investigação de seu caso tomou outros rumos. As impressões digitais do copo são as mesmas deste bandido, o Magro, o que o aponta  como autor do vandalismo que fez no seu apartamento. E o que ele foi fazer lá,  já que nada roubou, nem lhe esperou chegar para matá-la? O quadro agora está ficando claro: este bandido guardava o revólver num buraco aberto na parede de seu quarto, antes da senhora comprá-lo. Provavelmente escondido atrás de um quadro.   O apartamento era de uma amásia dele,  Edineuza, mais tarde morta numa guerra entre facções.   Quando pintaram e reformaram o apê para poder vender, taparam este buraco.  Ele estava na prisão, de nada sabia desta reforma.  Quando foi solto, a primeira coisa que fez foi procurar a arma lá escondida. Mas já não estava lá. Imagine como ele deve ter ficado furioso! E quando foi procurar a amásia para tomar satisfação, soube de sua morte. Daí o bilhete escrito traição.  Quem tirou o revólver do buraco, antes da reforma? Certamente Edineuza, que o traia com o chefe da gang rival. E acabou sendo morta.

E o revólver, foi parar aonde? Este corpo achado no rio é de um chefe de gang, provavelmente o mesmo que o estava traindo com Edineuza. Esta a razão do mesmo bilhete em forma de lua, escrito traição, no bolso do morto. – o delegado suspirou - Tudo muito certinho, mas continuamos sem saber onde está o revólver.

- E onde anda o tal Magro? Perguntei preocupadíssima. Não está solto, está?
- Agora não mais. As impressões digitais dele são as mesmas encontradas no copo, assim pudemos prendê-lo, sob a acusação de vandalismo, invasão de propriedade etc. , além de violação da condicional.  Estamos agora reunindo todas as provas que temos, para que ele seja acusado por assassinato e volte à prisão para sempre.,. Só falta achar o revólver, para provar que as balas encontradas nos corpos, veio daquela arma, que é dele.   Estamos neste pé. Mas não se preocupe, pode voltar para sua casa, o bandido está bem preso.

Voltei para casa ainda preocupada.  A questão do revólver ficou ruminando em minha cabeça. Fui trabalhar naquele dia tentando pensar como tinha sido o processo de compra do apê.  Eu me lembrava de uma mulher ainda jovem chamada Eloísa, que me vendeu o apê por um preço bem em conta, dizendo que era da irmã Edineusa que havia morrido. Ela o tinha pintado recentemente, estava em boas condições.  Eu gostei do imóvel e acertamos o preço na hora.  E incrível como pareça, estava tudo em ordem no Cartório.

Estava tentando me lembrar se eu notara algo na parede do quarto.  E subitamente, me veio à mente a conversa de Eloísa:

- Só tenho que lhe avisar que a descarga do banheiro do outro quarto não está funcionando muito bem. Como tem o banheiro da suíte, e do lavabo, minha irmã não se preocupou em consertar.  Mas é só isso, está tudo em ordem.

Chegando em casa fui imediatamente  ver o banheiro do outro quarto,  muito pouco usado por mim.  Realmente, a gente puxava o cordão e nada acontecia.  Subi num banco e espiei lá em cima. Havia um embrulho enrolado na bóia. Meu coração começou a bater feito louco.  Não quis mexer em nada. Chamei a polícia e veio o investigador do caso.
- Achamos afinal o revólver, disse ele bem satisfeito. Mas quem o colocou ali e por quê?
O delegado acabou decifrando a charada.

- Acho que Edineusa colocou o revólver no banheiro para ter uma arma à sua disposição, pois o Magro bem poderia descobrir sua traição e querer matá-la. Depois os acontecimentos se precipitaram, ela acabou sendo morta e ninguém ficou sabendo onde ela tinha escondido o revólver.  

- E como o Magro matava suas vítimas? Perguntei curiosa.

- Ele as asfixiava com um saco plástico e depois dava um tiro no rosto.  Esta última vítima foi só asfixiada, ele estava sem o revólver, mas antes torturou-a com requintes de crueldade, imagino o ódio que ele estava sentindo.

- E por que um papel em forma de lua?

- Ah, acho que é um código entre eles, na prisão, que significa “sem o sol, a lua nada vale” -  geralmente usam em casos de traição, por adultério, crimes sem perdão, no meio deles.  Bom, a senhora tem boa memória, nos ajudou muito nessa investigação. Pode agora descansar e dormir em paz. Já chegam suas atribulações de trabalho.

Suzana da Cunha Lima

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