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terça-feira, 13 de maio de 2014

O anjinho despencado do céu - Hirtiz Lazarin


O anjinho despencado do céu 
Hirtiz Lazarin


O anjinho Rafael era um moleque travesso e avesso à rotina sem graça do céu. Era um tal de lavar as vestes brancas, escovar as asas, polir o alo dourado, sem contar as maçantes aulas de música.  Não tinha vocação pra cantar, nem pra tocar trombeta.

          Resolveu fugir para a terra.  Sonhava voar livre entre as árvores como se passarinho fosse, sentir a chuva fininha no rosto, brincar na lama grossa e  banhar-se na água morna do riacho.

          Fechou bem firme os olhinhos e sem rumo certo voou para uma aventura emocionante.  Só os abriu quando sentiu algo espetar seus pés descalços.  Estava num canteiro florido à frente de um prédio pequeno e modesto.

          Sentou-se nos degraus da escadinha pra tomar fôlego e ajeitar as asas tortas.  Uma garota chega carregando livros.  Fixa-lhe o olhar e percebe naquele rosto moreno e bonito um olhar tristonho e perdido no vazio.  Seu coração sente que deve segui-la e os dois entram no apartamento 21.

          Tudo ali era simples e organizado.

          Rafael, sem cerimônia, instalou-se ali  e em poucos dias já estava familiarizado com a rotina da casa.  Maria Cristina vivia com a mãe D. Terezinha, uma senhora sóbria, econômica nos gestos e nas palavras.  Saíam bem cedinho, a mãe pro trabalho e a filha pra escola.  A vida ali era entediante.  Tudo era sem graça, faltava diálogo, alegria e muito... muito mais.  Eram dois robôs que partilhavam apenas a mesma moradia.

          Numa segunda-feira, Maria Cristina chega da escola e já ao abrir a porta sente um perfume suave, delicado.  Sobre a mesa de jantar está um vaso branco leitoso carregado de flores vermelhas.  Esboçou um sorriso desconfiado, deu de ombros e achou que era "coisa" da mãe.

          Abriu as janelas, a claridade entrou acompanhada de uma brisa que balançou a cortina de tecido fininho que se enroscou nos espinhos da flor e pétalas espalharam-se pelo chão.

          A casa de móveis humildes e cores neutras sorriu.

          Num outro momento, Maria Cristina encontrou um embrulho junto à porta.  Não havia remetente.  Apenas seu nome.

          Abriu com cautela... Era apenas um CD.  Colocou-o pra tocar.  Ouviu-se  uma melodia suave, acompanhada pelo som de um piano. A música...Ah! Ali  faltava música.

          As duas mulheres continuavam caladas.  Nada lhes tocava... Que ressentimento era esse?  Mortas para a vida? O anjo mudou de tática.

          Trapalhadas começaram a acontecer naquele apartamento.  Chovia torrencialmente e as sombrinhas só foram encontradas quando uma delas teve a idéia de procurar no forno do fogão.  O tênis apareceu dentro da geladeira, o pijama debaixo da cama, a escova de dente dentro do sapato...

          Rafael tentava de tudo pra provocar uma reação, mas o diálogo era curto e entrecortado.  Até que um dia o silêncio se quebrou.  As duas discutiram, brigaram. Era um ping-pong de ofensas.  Isso era muito bom, pois finalmente estavam se enxergando, uma sentindo a presença da outra.

          Chegou o domingo. Dona Terezinha acordou cedo.  Abriu as janelas e o sol acordou Maria Cristina.

          Estranho... A mesa do café já estava posta.  Ao levantar a xícara, cada uma encontra um cartãozinho escondido.  A curiosidade aguçada aparece nos olhos. Abrem-nos.  "Perdão por tudo. Amo muito você".

          Entreolham-se desconfiadas e pensativas. Num ímpeto se abraçam. Um abraço que começou tímido, inseguro e que foi se apertando... Apertando, ao ponto de uma sentir o coração da outra pulsar descompassadamente.

          As lágrimas não são contidas e teimosas inundam-lhes os olhos.

          Aquele momento foi mágico.  Foi o resgate de sentimentos adormecidos e esquecidos pela rotina desgastante do dia-a-dia, pelo acúmulo de problemas e principalmente pela falta de diálogo.

          Rafaelzinho não se continha.  Voava pra cá pra lá, batia as asas com a agilidade e rapidez do beija-flor.  Tanto que mãe e filha  percebem que o ar se movimenta diferente,  Um ar fresco as envolve e as janelas estavam fechadas...

          Mas, anjos são invisíveis... E o nosso anjinho de travesso tornou-se herói.
E naquele cantinho bem simples  nunca mais faltou música e flor.                                                                                                                                               O silêncio foi embora de vez e pra ficar entrou o AMOR.

          A missão estava cumprida.  Era hora de voltar.  Faltava só uma coisinha. Ele pregou na porta do apartamento 21 a plaquinha:  "Um anjinho protege esta casa".

                                                                 ( assinado: RAFAEL)

Um comentário:

dinahribeiroamorim disse...

Adorei a imaginação e a criação da história! Que delicadeza! Você faz falta em nossas aulas! beijos Dnah.