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quinta-feira, 1 de maio de 2014

O TREM - VIAGEM SEM DESTINO - Maria Luiza de C.Malina





O TREM  -  VIAGEM SEM DESTINO                
Maria Luiza de C.Malina


Paris é uma cidade repleta de surpresas. A plataforma à espera do trem, mais se parece a entrada de teatro para a apresentação de uma ópera. Neste embarque os trajes são de marcante elegância e, muita bagagem.

O olhar evasivo em nada combina com o rapaz que traja um longo e pesado casaco negro de lã, que caminha de um lado a outro com as mãos recolhidas no bolso, abrigando o traje tão social, quanto sua postura. De “smoking”, com a gola da alva camisa levemente desabotoada e a pequena gravata, ainda solta em seu pescoço, balança ao vento.

Aos poucos os detalhes da vestimenta revelam a beleza de seu porte elegante ao subir no vagão. Embora inquieto e com a expressão cansada, havia chamado a atenção dos passageiros atentos ao aviso de embarque.

Sigo-o com um olhar para descobrir o número de sua cabine. Desaparece entre o circular dos viajantes. Não. Não desaparece. Dirige-se direto ao vagão restaurante. Deposita a grossa carteira sobre a mesa, próxima ao vaso de flores, no parapeito da janela..

Localizo e acomodo as malas na minha cabine ricamente decorada, com todo o conforto e necessidades para os próximos 6 dias. É um verdadeiro “flat” sobre os trilhos. Jogo-me na cama e imediatamente penso no jovem, que para minha surpresa, estava sem bagagem. 

A velocidade do trem vai de encontro a minha curiosidade. Leio a programação. Esta perfeita. Manhãs saborosas culminando com jantares sofisticados, previamente personalizados, de acordo com o menu, no período da compra do pacote, ao som de piano.

Vasculho os outros 2 vagões restaurantes. Ao passar pelo de cor azul, surpreendo-me ao ver aquela figura solitária, sentada no mesmo lugar do dia do embarque.

Sento-me um pouco afastada de sua mesa e, arrisco uma pergunta ao compenetrado garçom:

- Por favor, qual é a cabine deste senhor?

Ao que me responde:

- A senhora deseja companhia? – responde-me com uma pergunta, apontando o cardápio de bebidas, afastando-se. Percebi, na atitude do garçom a indiscrição de minha pergunta. Provavelmente a tripulação deveria estar atenta a sua estranha atitude.

A minha curiosidade cresce mais rápida do que sua própria barba. Mas continua bonito. A cena repete-se nos próximos dias. Sem qualquer palavra a refeição lhe é colocada à  sua frente junto a uma taça de água. O olhar perdido no silêncio, pousa sem interesse, na bela, branca e fria paisagem, após tocar levemente na refeição.

Os dias de expectativa de um grande encontro, transformaram-se em pura especulação fracassada. Senti que minha bagagem estava densa, embora a viagem tenha superado a espera.

Ao sair, na plataforma ainda arrisco um olhar com um aceno de mão. Perplexa, não sou correspondida. Sequer um leve menear de cabeça no belo rosto sem expressão. Espero o trem partir. Acendo o cigarro sem lhe tirar os olhos que estão fixos aos meus. Uma longa tragada. Não percebe a fumaça. O trem parte esvaecendo a tentativa de aproximação.

Eu a mala e o cigarro, seguimos adiante.

A expressão de um vazio cheio de vida não me abandona. Apaixonara-me por um morto vivo. A rotina fora dos trilhos voltara ao normal.  
              
Sua presença ainda ocupa boa parte dos meus dias.

Ao folhear uma das tantas revistas compradas em Paris, para entreter-me na viagem, o reconheço. A reportagem trazia a foto da união de duas famílias tradicionais, anunciando a data, cuja data  correspondia ao dia anterior ao embarque.

Tão lindo e tão ausente. Tão próximo e tão longe. Tão só e eu tão...

Vou a procura de novas noticias. Preciso reencontrá-lo. Preciso entender.

Eu tenho  certeza de seu rumo, ou penso que tenho. Pode ser que retorne com o mesmo trem. Vou diariamente à estação.


Um dia voltarei a Paris.


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