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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

É possível sim - Hirtis Lazarin



É possível, sim!

 Santo Antonio da Cruz é um povoado que fica enterrado entre morros, lá no sertão de Goiás.  Pra se chegar lá, saindo da capital do Estado, são dias de viagem, numa estradinha de terra batida, bem distante de qualquer outra cidade.  Tem poucos habitantes, agricultores na sua grande maioria e, sem possibilidade de crescimento, pois uma única  fábrica emprega moradores.  É uma fábrica de fertilizantes e agrotóxicos, vendidos aos próprios moradores e às regiões vizinhas.  A produção é pequena.
 A vida ali é bem simples, televisão há em poucas residências, celular nem pensar, não há captação de sinais, festas só as promovidas pelo pároco da igreja pra comemorar o santo padroeiro e a festa de final de ano, oferecida pelo prefeito, como se estivesse prestando grande colaboração aos cidadãos.  E mesmo com tão pouco, os cidadãos se sentem felizes e agradecidos.  É um povo fervoroso, temente a Deus.
 Ah! Prefeito toda cidade tem, por pequena que seja.  É o cargo mais importante e que confere àquele que o ocupa uma grande importância também.  Leôncio de Mendonça, como gosta de ser chamado, é o prefeito e o dono da única fábrica da cidade.  Os funcionários da prefeitura e os assessores são todos da família "Mendonça".  A administração de Santo Antonio da Cruz, portanto, está nas mãos da família "Mendonça".  O prédio da prefeitura mais parece a segunda opção de moradia deles.
 Delegado não há.  O índice de criminalidade é zero.  Todos se conhecem e gente nova nunca chega lá.  Só de vez em quando, aparecem alguns parentes.
 O vigário da cidade Dom Eugênio, já bem velhinho, aposentado, foi embora do lugar.  Houve choro e emoção na despedida.  Ele participou da vida dessa gente humilde por mais de vinte anos.
 Chegou, então, o monsenhor Otavinho para substituí-lo e administrar os cultos religiosos.  Ainda bem jovem, foi chegando de mansinho, como quem só quer cumprir suas obrigações religiosas.  Mas deu pra perceber logo que era muito ativo e inteligente.
 Aos poucos, sondando daqui, sondando dali, conversando com oc moradores como quem não quer nada, foi aprendendo e descobrindo como tudo funcionava em Santo Antonio da Cruz.  A família "Mendonça" eram os únicos que raramente frequentavam a missa aos domingos, obrigação de todo católico; e nem outras cerimônias religiosas.  Pouquissimas vezes algum deles era visto na igreja.
 No sermão da missa de domingo, igreja lotada, padre Otávio começou, aos pouquinhos, a introduzir junto dos fatos bíblicos, fatos que acontecem nos dias atuais, estabelecendo um paralelo
entre eles.  Falava de política, direitos e deveres dos cidadãos, salário justo, progresso.  Um pouco de tudo.
 Aos sábados, no salão paroquial, começou a promover reuniões com os jovens.  Os jovens traziam à discussão os problemas e as dificuldades mais frequentes dos cidadãos.  Soluções eram discutidas, analisadas e apreciadas.  Aos poucos, o padre foi conquistando a confiança dos moradores e o número de pessoas nessas reuniões foi aumentando.  Um bom sinal.  Nem tudo estava perdido.  Mais gente participando, mais idéias, mais alternativas, soluções mais rápidas.  O objetivo do padre era orientar aquele povo justo e humilde a lutar pelos seus direitos, almejar uma vida melhor, usufruir um pouquinho das coisas boas que o progresso proporciona.
 A semente foi plantada.  Germinou.  Não foi fácil, nem de uma hora pra outra, mas a planta cresceu, floresceu e os primeiros frutos começaram a ser colhidos.
 A primeira conquista chegou: aumento de salário dos operários da fábrica, com direito a férias, décimo terceiro salário e carteira registrada.  A produção aumentou e a venda dos produtos também.  Patrão e empregados mais felizes.
 Mais casas compraram t.v. e mais informação chegou a mais gente.
 A escola foi reformada pelos próprios moradores, num mutirão em final de semana.  O curso que era de quatro anos foi ampliado pra oito anos.  Novos professores foram chamados.
 Tudo isso levou tempo, exigiu muito esforço. sacrifício e muita luta, pois a princípio a família "Mendonça" oferecia grande resistência às mudanças que estavam acontecendo, pois pouco a pouco perdia o domínio que tinham sobre a cidade.
 Agora, a população já se organiza pra promover a primeira eleição de verdade, pois até então havia candidato único, passando de um mandato a outro sem que houvesse qualquer objeção.  Sem exagerar, podemos dizer que o cargo era hereditário.
 Já apareceram até candidatos dispostos a concorrer ao cargo de prefeito, pois todos estão mais seguros e confiantes.
 O mais importante de tudo isso é que o povo de Santo Antonio da Cruz está aprendendo a caminhar sozinho e vislumbra novas conquistas.
 Podemos dizer que o povo de Santo Antonio da Cruz tem esperanças e sonhos.
 O Brasil precisa de muitos, muitos "Otávios".


(atividade sugerida: texto narrativo infanto-juvenil, inspirados nos textos "Um homem de consciência" (Monteiro Lobato)  e  "O homem que espalhou o deserto" (Loyola)


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