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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A devota - Patricia Iasz




A devota
Patricia Iasz

        Após um dia inteiro de contratempos e já desgastada pela doença instalada, ela passara em frente à catedral da praça. Com olhar mareado, fixou-se na idéia de um resquício de salvação, afinal, a igreja levava o nome de sua santa mais devota – Santa Madá de Ouvideira.

        À medida que entrava, sentia que o silêncio a preenchia. Logo a frente, bancos vazios em meio a penumbra, confirmavam a certeza desta suspeita. No canto direito, próximo ao altar central, uma capelinha. Alí uma santa, vestida de preto, parecia   admirar-lhe atentamente. Sim, lá estava a imagem de sua devoção.
        Caminhou até ela e com gesto de respeito, inclinou-se sobre o genuflexório. Pegou um terço e começou a balbuciar palavras repetitivas. Pouco tempo depois, já irriquieta, deixou o rosário de lado e pos-se a falar baixinho. Murmúrios insistentes começaram a incorporar tonalidade de imploração. Mas que desgosto, parecia que a santa, tão inerte, não se importava com tamanho esforço e dedicação. A presença do cansaço e dores pelo corpo nada representavam para a peça de gesso imóvel bem diante de seus olhos.

        Desiludida e inconformada, começou a desabafar rancores e mágoas acumuladas a anos e a demonstrar toda sua frustração após todo tempo de orações dedicadas sem respostas. Os olhos lacrimejaram. O nó na garganta escorregou como choro, e soluços de tristezas ecoavam por todo espaço. Chorou tanto que nem se deu conta das horas até que alguém cutucando em seus ombros, comenta:

- Senhora, são quase meia noite, as portas da igreja precisam ser fechadas. Amanhã, se for de sua vontade, pode voltar às 5h.


        Mais aliviada, esquecida das dores incômodas e com uma sensação de liberdade na alma. Saiu com um renascente sorriso querendo despontar em sua boca. Não sabe o porque, mas sentia-se feliz e amparada e, com a alma mais disposta, foi-se para  casa afim de descansar.

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