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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O reinado dela - Jany Patricio



O reinado dela
Jany Patricio

Naquela cidade a movimentação era intensa. As ruas sem calçamento levantavam poeira quando os transeuntes passavam. Pessoas à pé, carros de boi, animais. E olhei para toda essa gente, olhei para as casas, os estabelecimentos comerciais, e pensei. Eu poderia ter uma vida melhor num palácio, com mais conforto, beleza. Quando então ele apareceu. Aquele com quem eu me casaria.

Porém, me passava pelo pensamento, ter outra vida. Cheia de joias, perfumes, tecidos finos e sabia que ele jamais poderia me dar esses luxos.

A minha beleza estava em flor. A pele morena, os cabelos sedosos e olhos grandes e negros. O que já havia chamado a atenção daqueles ligados ao rei.
Foi quando alguém me convidou para visitar o palácio. Era uma mulher de meia idade, muito bem vestida e olhos cativantes. Segui o meu ímpeto de riqueza e fui com ela através dos arredores da cidade.

Passamos por muitos lugares, onde as pessoas muito ocupadas com seus afazeres nem se deram conta daquelas pessoas que seguiam também apressadas para chegarem ao seu destino.

Fiquei deslumbrada com tanta beleza. Fontes, tapetes, pilares alvos, feitos de mármore. As entradas com seus contornos arredondados e trabalhos em estilo árabe. Havia uma música no ar que vinha de um salão amplo, decorado com lindos vasos, flores e tapetes ricamente tecidos e minuciosamente trabalhados em seda e algodão com fios de ouro. O lugar estava iluminado pelos raios solares que penetravam através das janelas laterais da abóbada que na sua claridade refletia esses mesmos raios.

Algumas mulheres dançavam com suavidade ao som daquela música, enquanto frutas, algumas bebidas e pães eram servidos.

Era um ambiente mágico, capaz de fascinar qualquer pessoa que não conhecesse o que se passava no fundo daqueles corações.

Fui convidada a me aproximar, e sentei-me junto àquele grupo, como se já os conhecesse há muito tempo.

Senti que o meu destino estava ali, e não pensei mais em voltar para a minha família que me esperava para o casamento que já estava marcado.

Não dei notícias, mas sabia que eles já imaginavam o que acontecia comigo.

Sabia que minha mãe lamentava que o meu noivo estivesse entristecido. Mas, naquele momento eu estava vivendo o meu sonho.

O rei estava encantado com aquela jovem alegre, deslumbrada e encheu-lhe de joias, perfumes e os mais finos tecidos foram encomendados para confeccionar as roupas que lhe caiam graciosamente no corpo.

Ele só tinha olhares para aquela mulher, que desejava ardentemente ter em seus braços.

Certo dia, aquela: mulher que lhe trouxe ali, veio conversar Com aquela que era a mais nova das jovens a fazerem parte daquele palácio. Ela lhe disse do carinho do rei e que ele a esperava em seus aposentos.

A jovem teve um calafrio na espinha, pois no fundo, sentia uma pequena aversão por aquele homem poderoso, que estava realizando os seus sonhos.
Temerosa, seguiu a senhora. As suas mãos tremiam e estavam geladas, como todo o seu corpo.

O rei a esperava. Aquela figura opulenta lhe causava repugnância.

Ela entrou naqueles aposentos, ricamente decorados e sentiu vontade de recuar. Mas isso já não podia fazer. Por um momento passou pelo seu pensamento voltar, ir correndo ao encontro dos seus, mas sabia que não poderia retomar. Não mais seria aceita, sequer por aquele que lhe jurara amor.

E deixou-se ser abraçada e a partir deste dia a desilusão tomou conta do seu ser.

Tudo aquilo que havia a seu redor, os amplos ambientes, as joias, as roupas finas, os perfumes deixavam vazio o seu coração.

Muitas das moças que lá se encontravam, sentiam inveja da preferência que o rei tinha por aquela jovem, e esta para compensar a desilusão começou a dedicar-se à música, à dança, ao conhecimento das letras, e saia para passear pelos arredores, para ter contato com a natureza, caminhando descalça pelas pedras e banhando-se nas cascatas e correndo pela relva.

Um dia percebeu que alguém a observava escondido. Era aquele com quem deixara de casar-se.

Sempre, em seus passeios, ela saia acompanhada. Mas por gozar das facilidades de uma favorita do rei, conseguiu escapar da vigilância e foi àquele lugar onde o tinha visto. E ele estava à sua espera e sem dizerem nada se abraçaram. Ela chorou copiosamente: Mas, sabiam que ela não mais poderia sair daquele lugar.

Então, ele conseguiu uma forma de fazer parte dos empregados do palácio e passaram a se encontrar às escondidas. A partir dessa época, o semblante dela mudou, demonstrava uma intensa alegria que surpreendia a todos. Depois de algum tempo, estava grávida. Teve um lindo menino que passou a ser sua companhia constante. O menino foi crescendo e ficava sempre próximo à mãe e era toda a sua alegria.

Alguns anos se passaram. De início o rei não se incomodava com a presença daquele menino, pois isso a fazia cada vez mais linda. Porém, dando ouvidos a algumas pessoas começou a desconfiar de tanta felicidade e ordenou que a vigiassem. Em algum tempo tudo foi descoberto e o rei furioso, ordenou que dessem fim aquele homem. Ela implorou que o deixasse ver pela última vez.
O seu pedido foi concedido, porém, logo em seguida o seu filho lhe foi tirado e ela não soube que destino lhe foi dado.

A partir disso, ela começou a recusar a presença do rei. Este percebendo que ela não mais lhe atenderia os desejos a expulsou do palácio, apenas com as roupas que vestia no corpo.

Ela começou a vagar pelas ruas e logo os seus cabelos estavam desalinhados, as roupas sujas e a expressão de cansaço e fome estava em seu rosto que já não expressava mais aquela jovialidade.

Ela não ousou voltar para a casa de seus pais, e passou a mendigar pelas ruas. Nunca foi reconhecida.

E foi envelhecendo, vivendo da caridade alheia. Os seus cabelos esbranquiçados. Profundas rugas de velhice e tristeza agora estavam naquele rosto que outrora encantara a muitos.

Certo dia, quando atravessava uma rua da cidade, uma cavalaria apressada, veio sobre ela, que foi insultada, por aquele mesmo homem com quem conviveu muitos anos e não a reconheceu e cuja pata do cavalo que levantou-se lhe acertou a testa e em seguida toda aquela comitiva passou por cima do seu corpo, como se fosse algo imprestável.

Ela, porém, nada sentiu, além da dor da humilhação.

Ao abrir os olhos, seus pais lá estavam. Sorrindo.

Não sentia mais o cansaço. E aqueles olhos, cheios de compaixão a fitavam e ela não compreendia, o porquê de tanta bondade no gesto daqueles que ela tanto decepcionara.

-Filha - disse-lhe a mãe  - Você cumpriu a sua missão. Nós também não aceitamos o que aconteceu na época, mas agora, está esclarecido que você viveu o seu destino. Você plantou uma semente de amor em corações endurecidos. Com a sua música, a sua dança, a sua alegria, você transportou seres cruéis, sem que estes percebessem, para outro nível de consciência e isto já está consolidado em seus corações. Você deu sua vida em favor de um ser que parecia irremediavelmente perdido e que hoje está remoendo-se em remorso, por ter-lhe reconhecido o olhar, segundos antes do seu desenlace.

Este é o primeiro passo para transformação deste ser que começará a reconhecer os seus enganos e se transformará num bondoso monarca e fará progredir um povo, com sua força e coragem, utilizando o seu poder para o bem de todos.

Ela sentou-se, e percebeu que ao seu lado, estavam o seu filho e aquele com quem jamais se casou, mas que mantinha fiel o seu amor. Sentiu que o seu coração iria explodir de emoção. Seus olhos encheram-se d'água. Ela não acreditava no que estava acontecendo. Aquilo parecia um sonho.


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