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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

QUE TERIA ACONTECIDO ÀQUELA FAMÍLIA? - Dinah Ribeiro de Amorim



QUE TERIA ACONTECIDO ÀQUELA FAMÍLIA?
 Dinah Ribeiro de Amorim

  Sento-me à janela e vejo o dia passar! Desde que adoeci gravemente, tornei-me indolente e dispersiva, não conseguindo me concentrar em leituras, pinturas, histórias da vida real, às quais me dedicava tanto.

  Ajudam-me na higiene e me colocam sentada à janela, esperando que algum raio de sol me cure ou algo me distraia novamente.

  Assim tenho passado meus dias, observando transeuntes, chegadas e saídas de vizinhos alegres bem vestidos ou não.

   Realmente, fazem-me pensar sobre suas vidas, o que fazem,  quem são, voltando um pouco à minha realidade antiga.

  Começo a observar uma família um pouco diferente, saindo todos os dias à mesma hora, mal vestida, cheirando a pobreza através dos agasalhos rotos e sapatos feios.

  Um homem, talvez o patriarca, vai à frente, seguido por uma mulher e dois jovens, parecendo esposa e filhos. Procuram alcançar seus passos enquanto uma senhora muito velha,  lenta, caminha tentando alcançá-los e não perdê-los de vista. O homem, às vezes, olha para trás, observando-os e apressando-os. Talvez, penso eu, estejam atrasados para mais um dia de trabalho. Começo a imaginar o que faziam, para onde iam todas as manhãs, com preocupação de horário e passos rápidos. Se for algum emprego, deve ser bem modesto, pois a aparência deles demonstra simplicidade e maus tratos.

  Antes de sair de minha janela, ainda amparada por muletas e uma tia solteirona, tal a minha fragilidade, observo-os voltarem do mesmo jeito que saíram, em fila, com passos cansados e olhares sonolentos. Entram por uma porta estreita, num sobrado antigo e feio, cheio de quartos, semelhante a pensão, no final da rua, bem na esquina.

  Acompanho os movimentos diários de várias pessoas, mas, essa família em atitude repetitiva, apresentando características estranhas e curiosas, saindo e chegando sempre à mesma hora, começa a despertar mais atenção.

  Sinto vontade de conhecê-los, aprofundar-me em suas vidas, de onde seriam, o que faziam! Começam a aguçar a minha curiosidade e a retomar meu instinto literário, ativando a imaginação.

  Elaboro mentalmente mil histórias para eles: Imigrantes, fugitivos de guerra, passado nebuloso, tentadores de sorte em cidade grande, enfim, muitas idéias e trajetórias passam pela minha cabeça.

  Ao pensar neles, esqueço-me um pouco do mal que me acometeu, voltando-me a vontade de escrever.

  Numa dessas manhãs, enquanto os observava, percebo que o homem deixa cair um envelope aberto, amarelo. Nenhum deles se abaixa para apanhá-lo. Talvez tivesse deixado cair propositalmente.

  Quero mandar apanhá-lo, mas é levado pelo vento da manhã, escorregando para a sarjeta molhada da rua e caindo num bueiro.

  Espero-os voltar à noite e, nada. Não aparecem mais. Não saem de manhã nem voltam à noite. Passo vários dias à janela aguardando-os, mas não os vejo.

  Pedi à minha tia que se informasse sobre eles e, ela, estranhando o meu interesse, vai até a pensão perguntar. Talvez a minha doença tivesse afetado também a minha mente, deve ter pensado!

  Após muitas indagações, encontrou alguém que, à custa de algumas moedas, contou que aquela família havia herdado uma fortuna de um tio.  Haviam ido para outra cidade, onde o testamento seria lido com dia e hora marcados, sem muita delonga.

  A carta viera registrada, num envelope amarelo, com timbre e endereço do advogado. Isto sim que era sorte, comentou: “sair desta espelunca para levarem vida de rico”!

  Quando soube da verdade, senti-me atingida novamente pela realidade da vida: fatos bons e ruins acontecendo, voltando-me imediatamente o desejo de escrever, embora ainda estivesse doente!


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