BLOG NOVO: CONTOS DO ICAL


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Pingo de água - Suzana da Cunha Lima



Pingo de água
Suzana da Cunha Lima


 Estávamos presos num cano enferrujado. Aí algo aconteceu, uma luz, eu me vi empurrado para fora.  Flutuei no ar o máximo que pude, para que aquele momento miraculoso durasse para sempre.  Senti os raios de sol me atravessarem, enquanto planava, único e belo, refletindo todas as cores do arco-íris. Nasci, sou um pingo de água! Gritei naqueles brevíssimos segundos, até me esparramar no fundo do tanque, junto aos outros pingos que lá estavam. Percebemos uma força a nos puxar para um buraco, sentimos o perigo.  Mas antes que isso acontecesse, taparam o ralo e uma enxurrada de água nos atingiu. Eu e os outros pingos ficamos uma coisa só, mas conservei minha individualidade. Eu me vi nadando junto a flocos cheirosos, sentindo dedos jeitosos a nos misturar e fazer borbulhar.  Hidromassagem, que delícia... Tive uma sobrevida especial, constatei enquanto roupas eram jogadas dentro do tanque. Agora é hora da massagem. Vigorosa, porém gostosa, porque havia perfume no ar e o frescor da água nova sobre nós. De repente, tiraram a tampa e lá fomos nós, assustados, sugados pelo ralo guloso, num tobogã gigante, até um rio mal cheiroso, que corria lentamente.   Mas aí eu não era mais um pingo de água, límpido e belo. Morri e virei esgoto.

Nenhum comentário: